a vida.

"tudo isto é muito fácil de explicar:
tens o teu quarto com meia dúzia de peças em cima da cama. tens a cama por fazer. está qualquer coisa a fazer barulho por entre essa roupa e bagunça toda. tu pensas "óh, é so o mp3 a dar musica..". tu não sabes por onde começar a arrumar as coisas e pensas 'oh, amanha arrumo'.

e vais, de vez em quando, continuando a ouvir o som. só que esqueces-te logo a seguir. a roupa vai-se acumulando, a voz vai parecendo ainda mais ao longe, quase que esta sufocada. e tu pões ainda mais roupa em cima. por dois motivos: primeiro, porque queres evitar o som, e segundo, porque só encontras a ordem, depois de teres criado o caos.
pronto, esse caos vai aumentando, porque começas a perder controlo da roupa que já tens acumulada. queres vestir coisas que já nem sabes onde estão, encontras coisas que já nem sabias que tinhas (sensações que achavas que não eram para ti) e vais aprendendo que ir tirando uma peça de uma vez talvez ajude a perceber o que está por baixo de tudo isso. pronto, um dia voltas-te a ir abaixo e não arrumas nada.

mas no dia a seguir, tal é a tua instabilidade, arrumas uma grande parte. deixas sempre algo por arrumar por achares que algo tem que estar desarrumado.
um dia, sem dares por ti, tens a voz cada vez mais alta a chamar-te, tu arrumas, arrumas, arrumas. sabes que isso é necessário, mas precisas é mesmo de encontrar o que está por baixo. (sabes que algo te dói, mas não sabes onde e porque). e um dia voltas a acordar e pensar que tens que arrumar tudo.

arrumas tudo, vais voltando a descobrir coisas. e um dia ficas a saber que aquilo que fazia som não era telemóvel, não era mp3, não era nada mais do que a tua vida a chamar por ti e a pedir-te atenção."